Modernidade III
Ulrick Beck
A principal questão que ora enfrentamos é se a simbiose histórica entre o capitalismo e a democracia – que caracterizava o Ocidente – pode ser generalizada em uma escala global, sem consumir suas bases físicas, culturais e sociais”
Este conceito [Sociedade de Risco] designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial.”
Duas fases podem ser distinguidas: primeiro, um estágio em que os efeitos e as auto-ameaças são sistematicamente produzidos, mas não se tornam questões públicas ou o centro de conflitos políticos.
Segundo, uma situação completamente diferente surge quando os perigos da sociedade industrial começam a dominar os debates e conflitos públicos, tanto políticos como privados.”
“No sentido de uma teoria social e de um diagnóstico de cultura, o conceito de sociedade de risco designa um estágio da modernidade em que começam a tomar corpo as ameaças produzidas até então no caminho da sociedade industrial.”
“Isto levanta a questão da autolimitação daquele desenvolvimento, assim como da tarefa de redeterminar os padrões de responsabilidade, segurança , controle, limitação de dano e distribuição das conseqüências do dano atingidos até aquele momento, levando em conta as ameaças potenciais.”
Entretanto, o problema que aqui se coloca é o fato de estes últimos não somente escaparem à percepção sensorial e excederem à nossa imaginação, mas também não poderem ser determinados pela ciência . A definição do perigo é sempre uma construção cognitiva e social.”
“No autoconceito da sociedade de risco, a sociedade torna-se reflexiva (no sentido mais estrito da palavra), o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para ela própria. Em outras palavras, a sociedade de risco é tendencialmente também uma sociedade de autocrítica.”
“ Os especialistas em seguros (involuntariamente) contradizem os engenheiros de segurança. Enquanto estes últimos diagnosticam risco zero, os primeiros decidem: impossível de ser segurado. Especialistas são anulados ou depostos por especialistas de áreas opostas. Políticos encontram resistência de grupos de cidadãos, e a gerência industrial encontra boicote de consumidores organizada e politicamente motivados.”
“Em resumo, um mundo duplo está adquirindo vida, e uma parte dele não pode ser representada na outra: um mundo caótico de conflitos, jogos de poder, instrumentos e arenas que pertencem a duas épocas diferentes, aquela do ‘não ambíguo’ e aquela da modernidade ‘ambivalente’.
“Por um lado, está se desenvolvendo um vazio político das instituições; por outro, um renascimento não institucional do político. O sujeito individual retorna às instituições da sociedade”
“Esta expressa no ruído de fundo das polêmicas em todos os níveis e em todas as questões e grupos de discussão, no fato, por exemplo, de nada mais ‘passar em brancas nuvens’; tudo dever ser inspecionado, seccionado em pequenos pedaços, discutido e debatido incansavelmente, até que afinal, com a bênção da insatisfação geral, ocorra esta ‘reviravolta’ particular que ninguém deseja, talvez apenas porque do contrário há o risco de uma paralisia geral.”
“Estas são as dores do parto de uma sociedade de ação nova, uma sociedade de autocriação, que deve ‘inventar’ tudo, mas não sabe como, com quem fazê-lo e com quem absolutamente não fazê-lo”
“Muitas modernidades são possíveis; esta é a réplica da modernização reflexiva.”“A questão (em termos clássicos) é a seguinte: como a verdade pode ser combinada com a beleza, a tecnologia com a arte, os negócios com a política e assim por diante?”
“Incidentalmente, ‘o conhecimento de que tudo é política’, como escreveu Klaus von Beyme, ‘confunde-nos se não for suplementado com a percepção de que tudo é, também economia ou cultura.”
Ulrick Beck. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva” In: GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrick, LASH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo: Unesp, 1997