Mercado e Poder Simbólcio


Vamos refletir, agora, sobre os atos de fala, os discursos, as narrativas que são fundamentais para a nossa existência como seres humanos.

A eficiência e a eficácia de um discurso está no fato de funcionar como DOXA, isto é, como uma verdade evidente sobre a qual nunca pensamos. Ela pode, muito bem, parecer razoável sem ter a razão como princípio. É o que Wittgenstein, em  Investigações filosóficas, quis dizer:


"Aquilo que se sabe quando ninguém nos interroga, mas que não se sabe mais quando devemos explicar, é algo sobre o que se deve refletir.(E evidentemente algo sobre o que, por alguma razão, dificilmente se reflete)." 


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Em primeiro lugar, é preciso destacar que a nossa capacidade para falar depende de algumas competências específicas que temos: uma Competência Técnica e uma Competência Social.

Nossa competência técnica aparece pela nossa própria condição humana: seres humanos podem falar, ou seja, tem os meios físicos necessários para produzir a fala.


No caso da competência social, ela é adquirida socialmente, uma vez que, a fala precisa ser aprendida. Mas falar não consiste apenas em emitir palavras organizadas em um certo código linguístico, mas também é preciso saber o que falar, com quem, quando e de que modo. Trata-se de um ritual complexo que depende do desenvolvimento de certos tipos de sensibilidade. Vamos chamá-las de senso de oportunidade e senso de aceitabilidade.

a) o  Kairós ou o Senso de Oportunidade  
Diziam os sofistas que, no aprendizado da arte de falar bem, é preciso estar atento para a percepção do momento oportuno da fala (kairós). Pouco importa o que dissermos se não for dito de maneira oportunida, no momento certo. Essa competência está relacionada como o (re) conhecimento da situação e do momento da fala.


b) o Senso de Aceitabilidade


Se não falamos com qualquer um, de qualquer modo, sobre qualquer coisa, a qualquer momento, isso significa que a nossa fala pressupõe alguns rituais sociais ou jogos de linguagem.

Nesse caso, é importante lembrar que quando falamos, produzimos um produto muito especial que não está sujeito apenas a interpretação, mas, também, a avaliação. 

Muitas vezes, a condição necessária para que o discurso seja aceito não está no entendimento que temos dele, mas do valor que damos a quem o pronuncia.

Portanto, qualquer discurso produz signos a serem interpretados, certamente. Mas, ao mesmo tempo, eles apresentam-se como signos de riqueza (são avaliados) e signos de autoridade (tem autoridade) 

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Vamos analisar, agora, o conceito de mercado simbólico:

Em primeiro lugar, todo discurso pressupõe pessoas que adotam um certo modo de falar (um habitus linguístico) e uma situação na qual se encontram. Essa situação é chamada por Bourdieu de mercado simbólico, uma vez que, nele, a nossa fala pode ser valorizada ou não, pode sofrer concorrência, ser monopolizada etc.


Carregamos conosco um conjunto de disposições - uma espécie de memória - das nossas experiências com a fala em determinadas situações (falando com os pais, amigos, vendedores, professores, clérigos). Isso faz com que tenhamos condições de antecipar algumas reações das pessoas a quem nos dirigimos. Quando produzimos um discurso, desenvolvemos também uma antecipação das condições em que aquele discurso será recebido. 

Essa antecipação, quando negativa, pode levar-nos a um conjunto de medidas de autocensura.

Por outro lado, percebemos que algumas pessoas são boas em lidar com esses mercados.  Muitos acabam funcionando como porta-voz da opinião de uma série de pessoas em um mercado simbólico. Eles são capazes de falar como representantes de um grupo, colocam-se como um grupo falando e, assim, fazem com que determinados interesses e motivações ganham um lugar em meio às palavras e transforme-se em discurso que merece ser ouvido. 

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O poder simbólico é um poder (econômico, político, cultural ou outro) que consegue ser alvo de reconhecimento, por isso, é preciso entender que se trata de um tipo de poder que não é físico (embora possa ter consequências reais). Ele é exercido no plano do sentido, na sua capacidade de gerar conhecimento e reconhecimento.

As palavras exercem, nesse sentido, um poder tipicamente mágico: fazem ver, fazem crer, fazem agir. 


Mas essa magia, como toda outra, não pode ser explicada apenas por esse poder do produtor do discurso. É preciso ir além e reconhecer as condições sociais que possibilitam essa eficácia mágica das palavra. Quem fala? Quem está autorizado a falar? De que lugar falamos?


Para completar, é preciso observar que esse poder das palavras só pode ser exercido sobre aqueles que estão dispostos a ouvi-las e a escutá-las - a crer nelas.

Vamos observar o que dizem as duas citações abaixo:

"...os agentes sociais e os próprios dominados estão unidos ao mundo social (até mesmo ao mais repugnante e revoltante) por uma relação de cumplicidade padecida que faz com que certos aspectos deste mundo estejam sempre além ou aquém do questionamento crítico". Pierre Bourdieu. O que falar quer dizer.



"O que faz com que o poder se mantenha e que seja aceito é simplesmente que ele não pesa como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.”  - Michel Foucault, Microfísica do poder


Referências

LINS, Daniel (org). Pierre Bourdieu: o campo econômico. Campinas/SP : Papirus, 200 (O que é falar? p. 51-57)