Modernidade II
Zygmunt Bauman
“Não é mau definir épocas históricas pelo tipo de ‘demônios íntimos’ que as assombram e atormentam.”
Será que não estamos diante de ‘categorias zumbi’ e ‘instituições zumbi’, que estão ‘mortas e ainda vivas’? Devemos dar a elas um enterro digno?
“Ao descrever os sólidos , podemos ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria um grave erro.”
“Os fluidos se movem facilmente. Eles ‘fluem’, ‘escorrem’, ‘esvaem-se’, ‘respingam’, ‘transbordam’, ‘vazam’,’inundam’, ‘borrifam’, ‘pingam’; são ‘filtrados’, ‘destilados’; diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos ...”
“A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à idéia de ‘leveza’. ”
“O tipo de modernidade que era o alvo, mas também o quadro cognitivo, da teoria crítica clássica, numa análise retrospectiva, parece muito diferente daquele que enquadra a vida das gerações de hoje.”
Ela parece ‘pesada’ (contra a ‘leve’ modernidade contemporânea); melhor ainda, ‘sólida’ (e não ‘fluida’, ‘líquida’ ou ‘liquefeita’); condensada (contra a difusa ou ‘capilar’); e , finalmente, ‘sistêmica’ (por oposição a ‘em forma de rede’). Essa modernidade pesada/sólida/condensada/sistêmica da ‘teoria crítica’ era impregnada da tendência ao totalitarismo
“A sociedade totalitária da homogeneidade compulsória, imposta e onipresente, estava constante e ameaçadoramente no horizonte...”
“Entre os principais ícones dessa modernidade estavam a fábrica fordista, que reduzia as atividades humanas a movimentos simples, rotineiros e predeterminados ... a burocracia ... o panóptico”
“A sociedade que entra no século XXI não é menos ‘moderna’ que a que entrou no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente.”
“Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo ‘adiamento da satisfação’, como sugeriu Max Weber, mas por conta da impossibilidade de atingir a satisfação...
“...o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da auto-congratulação tranquila movem-se rápido demais.”
Duas características, no entanto, fazem nossa situação – nossa forma de modernidade – nova e diferente.
“A primeira é o colapso gradual e o rápido declínio da antiga ilusão moderna: da crença de que há um fim do caminho em que andamos, um telos alcançável da mudança histórica.”
“A segunda mudança é a desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres modernizantes.
“O que costumava ser considerado uma tarefa para a razão humana, vista como dotação e propriedade coletiva da espécie humana, foi fragmentado (‘individualizado’), atribuído às vísceras e energia individuais e deixado à administração dos indivíduos e seus recursos.”
“A ‘individualização’ agora significa uma coisa muito diferente do que significava há cem anos e do que implicava nos primeiros tempos da era moderna – os tempos da exaltada ‘emancipação’ – do homem da trama estreita da dependência, da vigilância e da imposição comunitárias.”
“Resumidamente, a ‘individualização’ consiste em transformar a ‘identidade’ humana de um ‘dado’ em uma ‘tarefa’ e encarregar os atores da responsabilidade de realizar essa tarefa e das conseqüências (assim como dos efeitos colaterais) de sua realização.”
“Os seres humanos não mais ‘nascem’ em suas identidades. (...) Precisar tornar-se o que já se é é a característica da vida moderna – e só da vida moderna...”
Zygmunt Bauman. Modernidade Líquida Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed. , 2001